sábado, 19 de agosto de 2017

Desigualdade, pobreza e desenvolvimento



A recente divulgação em Portugal da riqueza acumulada por um pequeno número de super-ricos (20 patrimónios individuais equivalentes a cerca de 10% do total do PIB nacional!) traz para a opinião pública a discussão sobre a problemática inerente à constituição desses patrimónios bem como as consequências que advêm da grande desigualdade, que tal situação evidencia, para o bom funcionamento das sociedades, o seu desenvolvimento e democracia.

“Nos últimos 30 anos, a distância que separa os rendimentos dos 10% mais ricos dos rendimentos dos 10% mais pobres subiu significativamente no conjunto dos países da OCDE. Os 10% mais ricos auferem presentemente cerca de 9,5 vezes mais rendimento que os 10% mais pobres, um valor claramente superior ao de 7,1 observado na década de 80 do século passado.

O texto do economista Carlos Farinha - Desigualdade, pobreza e desenvolvimento - uma reflexão que se integra no projeto Economia e Sociedade – Pensar o futuro, mostra claramente que não só Portugal é um País muito desigual, como a desigualdade vem-se agravando desde 2009, com consequências muito negativas para a coesão social e para o próprio crescimento económico.

“O ponto de partida desta digressão acerca da relação entre desigualdade e desenvolvimento pode ser sistematizada em cinco vectores considerados fundamentais para a análise da importância crescente das desigualdades na nossa forma de viver e nas condições de vida auferidas pelas populações.

O primeiro é o de que assistimos hoje a um forte crescimento da desigualdade a nível global que se iniciou na década de 80 e que assume hoje proporções não vivenciadas na generalidade dos países pelo menos desde 1945.

O segundo prende-se com a identificação do principal factor explicativo do agravamento das desigualdades: a crescente concentração da riqueza e do rendimento detidos por um número cada vez mais reduzido de pessoas na parte superior da escala de rendimento. Este fenómeno implica necessariamente olhar para as desigualdades de uma forma diferente. Assistimos hoje a uma deslocação da tradicional análise de “ricos versus pobres” para uma outra que, para além daquela, opõe igualmente os “super-ricos” ao conjunto da sociedade.

O terceiro aspecto tem a ver com as diferenças entre a desigualdade dos rendimentos e a desigualdade da riqueza. A generalidade dos estudos efectuados nos últimos anos centra-se na análise da formação e distribuição dos rendimentos. Devido à sua maior complexidade e dificuldade de estimação, a distribuição da riqueza tem permanecido um pouco na penumbra, sendo relativamente poucos os estudos publicados nesta área. No entanto, os que existem são inequívocos na demonstração que a desigualdade na distribuição da riqueza é muito superior à da distribuição dos rendimentos. Se quisermos conhecer, de facto, a verdadeira natureza das desigualdades, e as suas consequências, é necessário ter em conta não somente a relação entre a riqueza e o rendimento, mas igualmente aspectos específicos da formação e consolidação da desigualdade da riqueza como, por exemplo, o papel da sua transmissão intergeracional.

O quarto elemento estruturante da nossa forma de olhar para as desigualdades prende-se com a sua relação com a pobreza. (…) É hoje indiscutível a existência de uma forte associação entre os níveis de desigualdade e os indicadores de pobreza.

O último aspecto que gostaria de salientar, porventura o mais importante, é o de que esta concentração excessiva da riqueza e dos rendimentos constitui não só um factor de injustiça social e um elemento potenciador da pobreza e da exclusão social de milhões de homens e mulheres das nossas sociedades, mas constitui igualmente, e de forma cada vez mais vincada, um travão ao crescimento económico e ao desenvolvimento social. A concentração crescente dos principais recursos do planeta num conjunto reduzido de indivíduos e famílias é necessariamente incompatível com a noção de desenvolvimento sustentado que respeite o ambiente, promova a criação de riqueza e a sua distribuição mais equitativa e que seja inclusivo para o conjunto da sociedade.



E na sua parte final, o texto conclui:

“A exigência de uma política económica que promova a redução das desigualdades coloca-se, assim, não somente como uma questão de justiça social, mas igualmente enquanto elemento constituinte da reivindicação de um modelo de desenvolvimento que tenha em conta as necessidades de todos os elementos da sociedade, a valorização do trabalho e um modelo de funcionamento da economia que seja simultaneamente mais eficiente e mais justo, que assegure e promova a coesão social.
Uma política que reduza as desigualdades económicas e sociais pressupõe uma intervenção activa do Estado enquanto elemento corrector das insuficiências do mercado. Nesse contexto, é necessário melhorar a arquitectura e o funcionamento das políticas sociais e fiscais de forma a assegurar o aumento da sua capacidade redistributiva.

As políticas sociais devem privilegiar o reforço da sua eficácia e da sua eficiência no combate às desigualdades e à pobreza, devem permitir uma melhor identificação das populações alvo dessas políticas e terem a capacidade de combinar políticas universais com políticas selectivas dirigidas aos grupos sociais mais vulneráveis. É também necessária a articulação entre medidas que privilegiem o colmatar do “défice de recursos” com medidas que visem o reconhecimento e a efectivação dos direitos, sendo para isso necessário inverter o processo de redução e de enfraquecimento do Estado Social que ocorreu na generalidade dos países desenvolvidos nas últimas décadas.

Particular atenção deve ser dada a medidas cujo objectivo declarado seja a redução da proporção de crianças e jovens em situação de pobreza, assumindo claramente os custos dessas medidas como reforço do capital humano e de prevenção da reprodução intergeracional da pobreza. É igualmente necessário um reforço dos sistemas de rendimento mínimo, aumentando a sua eficácia e eficiência na eliminação de situações de pobreza extrema, reforçando a sua componente de inclusão activa na sociedade e, quando adequado, no mercado de trabalho.

As políticas fiscais devem possibilitar uma maior abrangência, condição necessária para uma menor tributação e uma maior progressividade do conjunto do sistema fiscal. O tratamento fiscal equitativo das várias fontes de rendimento é, nesse contexto, um elemento fundamental. A tributação da riqueza e a reavaliação dos benefícios e deduções fiscais mais regressivos devem ser tidos em conta de forma a assegurar uma maior progressividade do sistema fiscal no seu todo.

Uma política que reduza as desigualdades económicas e sociais pressupõe medidas que atendam também à necessária correcção da desigualdade na repartição funcional do rendimento, estabelecendo regras de repartição dos excedentes entre investidores e trabalhadores. Para tal é necessário assumir-se claramente que o processo de criação de riqueza e da sua distribuição não são compartimentados no tempo e sequenciais, mas sim um processo simultâneo que define a natureza do próprio modelo económico.
Uma política que reduza as desigualdades económicas e sociais pressupõe igualmente a valorização do trabalho, rejeitando um modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e na subordinação dos direitos dos trabalhadores no quadro das relações laborais. A promoção da criação de empregos de qualidade constitui, nesse quadro, um instrumento fundamental. A redução sustentada do desemprego deve constituir um objectivo estratégico da política económica, assente em metas quantificáveis e monitorizáveis.

Por último, o combate efectivo às desigualdades sociais não pode ser efectuado no âmbito exclusivo da política económica. O combate às desigualdades deve ser entendido como um instrumento de cidadania e de reforço da coesão social. Tal implica não somente um novo reconhecimento dos efeitos nefastos da desigualdade, mas igualmente um processo de aumento da aversão à desigualdade da maioria dos cidadãos.

Texto na integra




segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Dia da Sobrecarga da Terra

No passado dia 2 de agosto, atingimos o dia da Sobrecarga da Terra.



O que é que isso quer dizer?

Quer dizer que, até esse dia, gastamos todos os recursos naturais básicos para sustentar a vida que o nosso planeta consegue repôr durante um ano. A partir desse dia estamos a gastar a crédito.

Todos os anos é apresentada uma estimativa sobre o dia em que a Humanidade atinge o limite do uso sustentável de recursos naturais disponíveis para esse ano, ou seja, o orçamento natural, habitualmente designado como Overshoot Day. Os valores utilizados para  calcular o Dia da Sobrecarga da Terra são obtidos a partir da comparação do consumo total da humanidade por ano (pegada ecológica) com a capacidade da Terra em regenerar os recursos naturais renováveis por ano (biocapacidade). Para este cálculo, são usadas estatísticas das Nações Unidas.

Em quase 50 anos de cálculos, 2017 é o ano em que este dia chega mais cedo. Em 2016, foi a 8 de agosto. No ano anterior, a 13, em 2014, a 19 e em 2013, a 20 de agosto.

Um dado assustador é comparar com décadas passadas. Em 1971, foi no dia 21 de dezembro. Desde então, todos os anos, ela chega antes. Ou seja, a cada ano que passa, todos nós – os seres humanos – estamos explorando os recursos naturais do planeta com mais voracidade e sem dar tempo para a Terra os recompôr.



“Estávamos no verde e agora entramos no vermelho ou no cheque especial. O que gastaremos daqui para frente será violentamente arrancado da Terra para atendermos as indispensáveis demandas humanas e, o que é pior, manter o nível de consumo perdulário dos países ricos.
A esse fato se costuma chamar de “Pegada Ecológica da Terra”. Por ela, se mede a quantidade de terra fértil e de mar necessários para gerar os meios de vida indispensáveis como água, grãos, carnes, peixes, fibras, madeira, energia renovável e outros mais. Dispomos de 12 bilhões de hectares de terra fértil (florestas, pastagens, cultivos) mas, na verdade, precisaríamos de 20 bilhões.
Como cobrir este défice de 8 bilhões? Sugando mais e mais a Terra….mas até quando? Estamos lentamente descapitalizando a Mãe Terra. Não sabemos quando acontecerá o seu colapso. Mas a continuar com o nível de consumo e desperdício dos países opulentos, ele virá com consequências nefastas para todos.
(…) Essa Sobrecarga Ecológica é um empréstimo que estamos tomando das gerações futuras para o nosso uso e desfrute atual. E quando chegar a vez deles, em que condições vão satisfazer as suas necessidades de alimento, água, fibras, grãos, carnes e madeira? Poderão herdar um planeta depauperado.
(…) O que vigora no mundo é uma perversa injustiça social, cruel e desapiedada: 15% dos que vivem nas regiões opulentas do Norte do planeta dispõe de 75% dos bens e serviços naturais e 40% da terra fértil. Alguns milhões, quais cães famélicos, devem esperar as migalhas que caem de suas bem servidas mesas..
Na verdade, a “Sobrecarga da Terra” resulta do tipo de economia delapidadora das “bondades da natureza” como falam os andinos, desflorestando, poluindo águas e solos, empobrecendo ecossistemas e erodindo a biodiversidade. Esses efeitos são considerados “externalidades” que não afetam o lucro e não entram na contabilidade empresarial. Mas afetam a vida presente e futura.” – assim escreve Leonard Boff (ver crónica na integra AQUI)


Segundo a Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, Portugal contribuiu ativamente para esta situação. Se todos os países tivessem a mesma pegada ecológica que nós, seriam necessários 2,3 planetas.O consumo de alimentos  (32% da pegada global do país) e a mobilidade (18%) encontram-se entre as atividades humanas diárias que mais contribuem para a pegada ecológica de Portugal e constituem assim pontos críticos a necessitar de intervenção.

Num mundo onde persiste uma enorme desigualdade em termos de distribuição de rendimentos e acesso a recursos naturais, estes dados são claros sobre a necessidade de se produzir e consumir de forma muito diferente.

O Planeta é a fonte de tudo o que necessitamos para viver enquanto espécie. O Overshoot Day indica-nos que estamos a forçar os limites do planeta cada vez com maior intensidade, uma tendência que é urgente mudar para bem da Humanidade e da sua qualidade de vida.

É urgente alterar esta tendência insustentável.

Propostas da ZERO para reduzir o défice ambiental podem ser lidas AQUI