sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Natal pós-capital?


Nestas festas natalícias, serão oferecidos smartphones para cães e impressoras 3D de panquecas que lhe permite comer, todas as manhãs, a Mona Lisa, o Taj Mahal ou o traseiro do seu cão. Por tralhas como essas estamos transformando em lixo o planeta vivo e as nossas próprias perspetivas de vida. Tudo isso precisa acabar. Há alternativa: uma vida privada frugal e bens comuns refinados. Quem se atreve?

A promessa de luxo privado para todos não pode ser cumprida: não existe nem espaço físico nem espaço ecológico para isso

Todo mundo quer tudo – como é que isso pode dar certo? A promessa do crescimento económico é de que os pobres poderão viver como ricos; e os ricos, como oligarcas. Mas nós já estamos atingindo os limites físicos do planeta que nos sustenta. Desastres climáticos, desertificação do solocolapso de habitats e espéciesmar de plástico: tudo  causado pelo excesso de consumo.

Mas o crescimento deve continuar: esse é o imperativo político em todos os lugares. E temos de ajustar os nossos gostos, em nome da autonomia e da escolha – o marketing usa as últimas descobertas da neurociência para destruir nossas defesas. Em cada geração, muda a referência do consumo normalizado. Há trinta anos, era ridículo comprar água em garrafa, pois a água de torneira é limpa e abundante. Hoje, no mundo todo, usamos um milhão de garrafas plásticas em cada minuto.

Quem se identifica como consumidor consciente usa mais energia e carbono do que quem não se assume como tal

A promessa é que, pelo consumismo verde, podemos reconciliar crescimento perpétuo com sobrevivência planetária. Mas uma série de pesquisas revela que não há diferença significativa entre as pegadas ecológicas de pessoas que cuidam e que não cuidam dos seus impactos. Quem se identifica como consumidor consciente usa mais energia e carbono do que quem não se assume como tal.  Porque a consciência ambiental tende a ser mais alta entre pessoas ricas. Não são as atitudes, mas o rendimento que determina nossos impactos no planeta. Quanto mais ricos, maior a nossa pegada, a despeito das nossas boas intenções. Aqueles que se vêem como consumidores verdes, dizem as pesquisas, “focam principalmente em comportamentos que têm benefícios relativamente pequenos”. Nada disso significa que não devemos tentar reduzir nossos impactos, mas precisamos ter consciência dos limites desse exercício. Nosso comportamento dentro do sistema não consegue mudar os resultados desse sistema. É o sistema que precisa de ser mudado.

Uma pesquisa da 
Oxfam sugere que o 1% mais rico produz 175 vezes mais carbono que os 10% mais pobres. Como podemos, num mundo em que supostamente todos aspiram a altos rendimentos, evitar transformar a Terra numa bola de sujeira, da qual depende toda a prosperidade?

Empresas e governos são todos procuradores do verdadeiro problema: crescimento perpétuo num planeta que não está crescendo

Aqueles que justificam esse sistema insistem em que o crescimento económico é essencial para o alívio da pobreza. Mas um artigo da World Economic Review afirma que os 60% mais pobres do mundo recebem apenas 5% do rendimento adicional gerado pelo aumento do PIB. Disso resulta que são precisos 111 dólares de crescimento para cada dólar de redução da pobreza. Essa é a razão por que, seguindo a tendência atual, seriam necessários 200 anos para garantir que todo o mundo receba 5 dólares por dia.
A essa altura, a renda média per capita terá alcançado 1 milhão de dólares por ano, e a economia será 175 vezes maior do que é hoje. Isso não é uma fórmula para alívio da pobreza. É uma fórmula para a destruição de tudo e de todos.

Consumismo verde, crescimento sustentável: isso tudo é ilusão, destinada a justificar um modelo económico que nos está conduzindo à catástrofe

Quando você ouve que alguma coisa faz sentido do ponto de vista económico, isso significa que é o oposto do senso comum. Aqueles homens e mulheres sensíveis que governam os tesouros e bancos centrais do mundo, que vêem como normal e necessário um crescimento indefinido do consumo, estão alucinados, esmagando as maravilhas do mundo vivo, destruindo a prosperidade das gerações futuras para sustentar um conjunto de números que têm uma relação cada vez menor com o bem-estar geral. O sistema atual, baseado em luxo privado e imundície pública, vai nos levar à miséria: sob esse modelo, luxo e privação são uma só besta com duas cabeças.

Necessitamos de um sistema diferente, enraizado não em abstrações económicas mas em realidades físicas, que estabeleça os parâmetros pelos quais nós possamos julgar da sua saúde. Necessitamos construir um mundo no qual o crescimento não seja um imperativo, um mundo de frugalidade privada e luxo público.

(O artigo é de George Monbiot, jornalista, escritor e ambientalista do Reino Unido, publicado por The Guardian.)

Sem comentários:

Enviar um comentário